sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Tristão & Isolda

Tristão & Isolda

Adaptação de: Helena Gomes
Ilustração de: Renato Alarcão

Capítulo 1
Tintagel


A cabeça doía bastante, consequência do golpe na nunca que fizera o garoto desmaiar. "Que príncipe patético você é!", pensou. Mas este pensamento provocou eco e o eco só fez a dor ficar muito pior.
    Tristão tentou se levantar. Sim, era esse seu nome, escolhido pela mãe, a rainha Brancaflor, que morrera logo após o filho nascer. Culpa do parto difícil, que a esgotara, e também da tristeza pela perda de Rivalen, seu marido e rei de Lyonesse, assassinado dias antes numa emboscada. Brancaflor e Rivalen tinham se amado demais, aquele tipo de amor em que um não vive sem o outro.
- Meu filho... Você nasceu em um momento de muita tristeza - sussurra a rainha. Aquelas se tornariam suas últimas palavras. 
- Por isso vai se chamar Tristão...
   Claro que o menino destestava o nome. "Bem, podia ser pior" costumava pensar, "melhor Tristão do que Tristonho!" . Além disso com seus doze anos, já sabia o que evitar: que um grande amor também lhe roubasse a possibilidade de ter um futuro. E, principalmente, que poupasse uma criança de carregar tanta tristeza no próprio nome!
    Da mãe, Tristão herdara os traços bonitos do rosto, os olhos azuis e os cabelos loiros, muitos claros, além do talento para a música. Do pai puxara a tendência de ser mais alto e mais forte do que os garotos de sua idade, o gosto pelas armas, pela calvagada... E o azar de sempre se meter em alguma encrenca. Como aquela, aliás.
    O menino fez uma careta, procurando se equilibrar sobre as duas pernas. Para falar a verdade, o chão parecia balançar...
    - Ai, não! - resmungou baixinho, enfim reparando nos inúmeros caixotes com frutas  sacos de careais que cercavam. - O navio zarpou e eu ainda estou abordo!
     Fora esquecido, incociente, no porão de carga de um navio norueguês que retomava sua rota após fazer excelentes negócios no porto de Lyonesse, a pequenina ilha que um dia tivera Rivalen como rei. Ficava sudoeste da vizinha Cornualha, reino onde Brancaflo nascera. Fora lá que Rivalen a conhecera e a conquistara como esposa após provar ser o mais corajoso dos cavaleiros durante as batalhas contra os irlandeses, lideradas pelo irmão dela, o rei Mark.
    Para tristão, não era nada fácil esconder de todo mundo que ser pai tinha sido uma grande héroi e que ele mesmo nascera como herdeiro. Morgan, o duque que traíra Rivalen para lhe roubar o trono, continuava no poder.
     -Desta vez, Sir Rohalt me colocará de castigo para sempre- murmurou o garoto, encostado-se na parede do navio para espiar a manhã através de uma escotilha aberta. Viu somente o mar. No horizonte, a ilha de Lyonesse e a chance de voltar para casa estavam distantes demais.
      Coubera a Rohalt esconder  Tristão entre os próprios filhos, após o nascimento do menino. Para garantir sua segurança, convencera Morgan de que o principe morrera no parto, junto com a mãe, mostrando-lhe o cadaver de um recém-nascido, na verdade o filho de uma criada que nascera morto na mesmo ocasião. E, apesar de sua lealdade ao falecido Rivalen, acaitara Morgan como o novo rei. Tudo para proteger o principe e garantir que ele crescesse em paz.
    "E agora estou aqui nesse navio. Indo para sabe-se lá onde..." lamentou o garoto, sentindo a culpa apertar sua garganta num desespero que logo espantou para longe 
    - Não sou mais uma criança para chorar! - ralhou, trincando os dentes.
      Rohalt se tornara seu pai adotivo. E era um pai de pulso firme, que o tratava da mesma forma com que tratava os filhos de sangue. Tristão ganhava elogios quando merecia e castigo na medida certa quando aprontava alguma travessura. Estudava com o tutor que ensinava latim e as boas maneiras às crianças de sua familia adotiva e também dividia com elas o mesmo mestre-de-armas, seu bom professor Gorvenal, com quem aprendia a se tornar um cavaleiro.
     - Um verdadeiro cavaleiro deve ser capaz de derrotar dragões! - sempre dizia o professor, que nunca mostrava satisfeito com os progressos de seu aluno mais esforçado.
      Tristão se considerava um garoto corajoso. Mas daí a enfrentar dragões... Era mais uma coisa que não estava em seus planos.

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